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A Serra da Piedade

POR

Antonio Olyntho dos Santos Pires

A Serra da Piedade

Limitando o vasto horizonte que se descortina desta Capital, pelo lado do nascente, a bella Serra da Piedade orla uma paizagem encantadora, que se nos offerece diariamente á vista e arranca interjeições de admiração a todos que a contemplam, mormente ao despontar da aurora.

Aquelle pico, emergindo das serranias e podendo ser avistado de mais de uma dezena de leguas em derredor, serviu de referencia aos primeiros bandeirantes que, ha cerca de 240 annos, penetraram esses sertões, então desconhecidos e quasi inaccessiveis, a principio á cata de indios que escravizavam e depois à procura do ouro que a elles escravizou tambem (2).

(1). Esta descripção foi primeiro publicada no Commercio de Minas, jornal diario de Bello Horizonte, em junho de 1902. Transladando-a para a Revista do Archivo Público, o seu auctor juntou algumas notas para jus tificar e corroborar as suas affirmações.

2. Desde o tempo de Thomé de Souza, o primeiro governador geral do Brasil, sahiram do littoral, que era a unica porção povoada de nossa patria, bandos armados com a denominação de bandeiras, para descobrir terrenos e riquezas mineraes no interior do paiz.

As mais notaveis dessas bandeiras foram a de Francisco Bruza Spinoza em 1553, a de d. Vasco Rodrigues Caldas em 1562, a de Martim Carvalho em 1570, as de Sebastião Fernandes Tourinho em 1572-73, a de Antonio Dias Adorno em 1573, a de João Coelho de Souza em 1580, a de Gabriel Soares em 1590 e a de Diogo Martins Cão em 1596; todas estas partiram do littoral da Bahia ou de Porto Seguro em procura de ouro, prata e esmeraldas, que se suppunha existir no sertão deconhecido do Brazil.

D. Francisco de Souza, quando foi governador geral, veiu propositalmente da Bahia a S. Paulo, para d'ahi mandar uma bandeira em direcção differente das outras, que pouco tinham adeantado na descoberta que visa

vam.

A bandeira organizada por d. Francisco de Souza foi commandada por Nicolau Barreto e partiu de S. Paulo em agosto de 161; esta tambem nada conseguiu.

Seguiram-se outras bandeiras, como a de Marcos de Azeredo que sahiu da Bahia entre os annos de 1608 a 1612, depois a dos filhos deste em 1646 e a de João Corrêa de Sá que seguiu do Espirito Santo em 1659.

O governo da metropole, cada vez mais empenhado na descoberta das esmeraldas e dos metaes preciosos, de cuja existencia nos sertões se achava convencido, resolveu, em 1663, confiar a missão de procural-os aos arrojados bandeirantes paulistas, conhecidos como vaqueanos dos sertões onde iam frequentemente para capturar e escravizar indios..

Naquelle anno, foi escolhido para dirigir uma bandeira Agostinho Barbalho Bezerra, que o rei de Portugal recommendou particularmente, entre outros, aos diligentes paulistas Lourenço Castanho Taques e Fernão Dias Paes Leme, sertanistas que celebraram-se por seu arrojo em diversas incursões feitas contra os indios bravios.

Como as

outras, tambem fracassou a empreza de Barbalho Bezerra,

pela morte do chefe da bandeira.

Fernão Dias, o domador dos indios Goianás, proprietario opulento e chefe de uma grande familia em S. Paulo, sabendo que ficara incompleta aquella missão, que o rei lhe havia tanto recommendado, resolveu a offerecer seus serviços ao governo, em 1672, para continuar as pesquizas pelo sertão, á sua custa exclusivamente.

Organizou assim uma grande bandeira, da qual fizeram parte, entre outros destemidos sertanistas, os notaveis bandeirantes Mathias Cardoso de Almeida, Garcia Rodrigues Paes e Manoel da Borba Gato, esses ultimos filho e genro de Fernão Dias.

Essa numerosa bandeira, semelhante a um pequeno exercito, poz-se a caminho para o sertão, partindo de S. Paulo a 21 de julho de 1671 e seguindo rumo de sul para o norte, com itinerario diverso das outras que a precederam. Foi verdadeiramente essa a bandeira que abriu communicação permanente entre a porção povoada do Brazil e a parte do territorio nacional que veio a constituir o actual Estado de Minas Geraes, onde habitamos.

A bandeira de Fernão Dias atravessou a serra da Mantiqueira; foi ter ao Rio das Mortes, nas proximidades de Ibituruna, perto da confluencia daquelle com o Rio Grande; seguiu dahi para os lados do Rio Paraopeba ou Parahipipeba como se lê nos documentos paulistas; atravessou esse rio e foi em demanda da Lagoa Santa, fixando-se no Sumidouro, onde Fernão Dias permaneceu perto de quatro annos, até reconstituir sua bandeira, que jà se achava esphacelada e quasi extincta pelas luctas e trabalhos que supportou. Do Sumidouro seguiu Fernão Dias para o norte; atravessou a serra do Espinhaço, transpoz os rios Itacambira, Jequitinhonha, Arassuahy, Itamarandiba e foi até encontrar os vestigios dos trabalhos de Marcos de Azeredo, o qual suppoz haver encontrado esmeraldas na região banhada pelos rios Jequitinhonha, Arassuahy, Gravatá, Setubal, Lufa, Calhau, Piauhy e Urubú. Depois de sete annos de penosas fadigas, vencendo obstaculos e trabalhos reputados insuperaveis, regressava Fernão Dias victorioso, quando falleceu nas margens, do Rio Guahicuhy ou Rio das Velhas, victima das febres e doenças que trouxera do sertão percorrido.

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