No capitulo 46 a doutrina tutellar e vigente sobre os entulhos e da Louvação dos Peritos. No capitulo 49 a permissão dos matos e pastos do Conselho a beneficio dos mineiros; e a faculdade de servirem se das divisas particulares, pagando elles o pasto por avaliação de Louvados. No capitulo 50 o privilegio dos mineiros ampliado e declarado pelas Leis novissimas. No capitulo 51 a obrigação imposta ao chefe da Repartição de visitar as minas, e promover as medidas de policia contra os vadios nos districtos mineiros. No capitulo 59 a remessa do Relatorio de todos os descobrimentos feitos até o fim do anno. COMMEMORAÇÕES CIVICAS TIRADENTES Eram já passados os dias do terror da conjuração; a aguia da revolta mineira, ainda implume, acabava de ser estrangulada com ITiradentes. A superstição do despotismo, com auctoridade na Ordenação, cuidára previdentemente, com a minucia de um magarefe, de retalhar o corpo do executado, e de distribuir as suas partes por onginquos pontos, para assim difficultar-lhe a resurreição, privandoo da unidade do tumulo. Dispersara-se a Arcadia. Os gemidos das ultimas victimas haviam sido abafados pelos hymnos victoriosos da tyrannia legal. A Alçada cumprira o seu dever, o carrasco a sua missão. A frota dos exilados desapparecera na curva dos mares. O Throno estava saciado. As luminarias publicas no Rio de Janeiro, em Villa Rica e em outras povoações festejaram tres noites o exterminio dos rebeldes, o Te-Deum, celebrado em cada orago da Capitania, dera a sancção solemnemente religiosa aos actos do poder temporal. O governo da metropole revelou, no supplicio de Tiradentes e no desterro dos seus cumplices, que esteve em face de uma aggressão de morte, premido pela necessidade de supplantar um adversario poderoso e forte, cuja vida era incompativel com a sua. E assim foi geralmente considerada a conjuração mineira pelas testemunhas do tempo, pelas denuncias que motivaram as devassas de Minas e do Rio, pelos depoimentos e confissões do processo, pela especialidade do tribunal que se organizou, e, mais que tudo, pela minuciosa sentença que foi proferida contra os réos. (*) Publicado no Minas Geraes de 21 de abril de 1902. N. DA R. Passou em julgado perante o governo, o povo e os tribunaes que a realeza, suffocando a inconfidencia, usára restrictamente do direito da defesa propria, que só foi plenamente satisfeito depois do sacrificio de Tiradentes. Ninguem recusou então ao rebelde soldado mineiro capacidade de chefe, equilibrio de espirito para deliberar, energia e responsabili. dade para agir. Todos os seus companheiros de infortunio o indigi. taram como o centro da acção. Simples alferes, arrastou á inconfidencia o seu commandante Paula Freire; leigo, suggestionou as summidades universitarias de Villa Rica; modesto em fortuna, seduziu os capitalistas ás ideas economicas postas em pratica na America do Norte. Emquanto foi a conjuração mineira considerada um crime cheio de opprobrio, ninguem se lembrou de amesquinhar o papel que nella representou aquelle que teve a maxima infamia falminada pela le do tempo. Foi preciso que o direito publico nacional se transformasse, que a liberdade inoculada nos espiritos, dèsse ao Brasil a consciencia de si, para gosar dos fructos da arvore maldita da inconfidencia, que a conjuração avultasse na historia, convertendo o stigma da Alçada em estrella de immortalidade; para que o espirito da critica indigena, esquecendo os grandes resultados do martyrio de Tiradentes, fechando os olhos á grandeza do seu heroismo sem par, fosse, de conjectura em conjectura, com preterição manifesta de provas incon. cussas, de metro em punho, procurar reduzir a estatura do colosso. Tiradentes não era padre, como Toledo e Rodrigues da Costa; não era doutor, como Claudio Manoel, bacharel como Alvarenga Peixoto. engenheiro como Maciel, graduado em milicias como Paula Freire, Logo, conclue a critica, nada faz presumir que elle exercesse um papel proeminente sobre tantos homens illustres, elle que não tinha lettras sagradas nem profanas e pouco mais era que um humilde soldado. Partindo dessa primeira inducção, nada mais embaraçou os adversarios de Tiradentes para egualar a sua figura à de um charlatão, sem criterio, indisciplinado como praça, ignorante como cidadão, leviano e grosseiro, nada valendo por si nem pelos seus, que com certeza se perdiam no anonymato da plebe. Entrou com grande parte nesta injustiça a paixão dynastica, que não permittiria certamente considerar a victima de D. Maria 1.a como o precursor da independencia proclamada por seu neto. 0 culto classico e official dos patriarchas da independencia não to. Ierava causa commum destes com o agitador da conjuração mineira, que não cogitou do imperio, e sim de uma republica federativa. Victoriosa esta a 15 de novembro, era natural que se reivindicasse para o glorioso soldado o titulo contestado por historiographos e chronistas superficiaes ou apaixonados. Hoje, felizmente, após largo debate e feita a luz sobre os Archivos, surge a imagem de Tiradentes pura e radiante, como um desses vultos que raro apparecem na Historia, influindo sobre os destinos de uma nacionalidade. Tiradentes não é, entretanto, um heroe do acaso, como nenhum dos outros grandes homens o é independentemente das leis historicas: nem elle appareceu isolado. Dada a vida colonial do paiz, reduzido a uma escravidão politica, economica e administrativa, era fatal a reacção, a principio sem fórma definida, mais tarde com pronunciamentos, e emfim, decisiva e formal. Os orgãos dessa reacção não podiam deixar de ser constituidos pelos elementos naturaes da colonia, victimados pelo despotismo. O3 tumultos de Morro Vermelho e de Pitanguy, a guerra dos emboabas e a grande sublevação de Philippe dos Santos representavam em Minas essa tendencia reaccionaria, que um dia havia de se traduzir em facto de maior vulto. << Sempre conheci, diz o denunciante Basilio de Brito, desde que vim para America, nos nacionaes desta um interno desejo de se sa. cudirem fóra da obediencia que devem prestar aos seus legitimos soberancs, mas antes patenteam uma interior vontade de fazerem do Brasil uma Republica livre, assim como fizeram os Americanos Inglezes, em cuja materia já conversam com muito pouca cautela. (Archivos do Districto Federal, V. 1, pag. 12 Suppl.) Esta aspiração era partilhada por todas as classes da sociedade colonial. O clero, de que tantas vezes se queixaram o conde do Assumar, Dom Lourenço de Almeida e o visconde de Barbacena, prestigiava o movimento democratico, que os homens letrados doutrinavam e a que os mineiros instinctivamente aspiravam impressionados pelas narrações da independencia dos Estados Unidos. Appareceu então Tiradentes, cujo complexo de qualidades devia garantir inteiro exito. Organização robusta de corpo e de espirito, de uma geração pura palo sangue de uma raça superior, como ficou provado em juizo, ligado ao clero por tres irmãos sacerdotes, aos le. trados por seu inseparavel amigo Alves Maciel, as industriaes mi, neiros por frequentes commissões que a mandado do governo desR. A.-20. empenhara com intelligencia mineralogica, á pobreza soffredora pela sua caridade como dentista e medico, além do largo circulo de relações que adquirira anteriormente como negociante ambulante. Embora dissesse Alvarenga que a conjuração não tinha chefe' sendo todos por um e um por todos, ficou indubitavel a supremacia do heroico soldado em todo o pensamento e em toda a acção, bem como nas consequencias e resultados. << Si houvesse muitos como Tiradentes, dizia o conego Luiz Vieira, seria o Brasil uma Republica florente. (Arch. do Distr. Fed., vol. cit.)Ao relancear os olhos sobre um quadro da população de Minas, elaborado por José Joaquim da Rocha, exclamava: «Ora aqui está todo este povo açoutado por um só homem ; e nós a chorarmos como os negros. E de tres em tres annos vem um e leva um milhão, e os creados levam outro tanto! E como hão de passar os pobres filhos da America?! ». (Ibidem, pag. 15). Tal era a sua linguagem, tão sincera como suggestiva, donde ás vezes explodiam conceitos propheticos: << Si todos fossem do meu animo! Mas lá está a mão de Deus ! » << Não! dizia elle aos que lhe obtemperavam maximas de oppor. tunismo politico, LEVANTAR É RESTAURAR! ! » Patriota e crente, era além disso Tiradentes um espirito dotado de faculdades superiores, de conhecimentos praticos e de uma intuição poderosa. << Desde a infància revelou viveza intellectual », testemunhou o conego Soares de Araujo (Memorias historicas da capitania de Minas). <<< Era intelligente e activo, de conversa agradavel, tendo uma bella alma e excellente coração », escreve o padre Viegas de Menezes. << Era um homem energico e obstinado em suas crenças, mas generoso até descuidar de si proprio, franco e leal», diz o padre Martinho de Freitas Guimarães, collega dos irmãos de Tiradentes. Não era differente o conceito que sobre o valor de Tiradentes nutria a propria Rainha de Portugal, quando directamente, em carta de 24 de dezembro de 1781, o incumbiu de uma commissão triennal no caminho novo do Rio de Janeiro, commissão delicada que exigia grande prudencia, conforme os proprios termos dessa ordem Regia. Dessa commissão tão bem se desempenhou, que terminada ella, foi tres annos depois incumbido de outra pelo governador Dom Luiz da Cunha Menezes (Rev. do Archv. Publ. Min. Vol. 2.o, pags. 14 e 349). De um vasto descortino de vistas, "concebeu e pretendeu realizar a canalização dos Rios Andarahy e Maracanã e o estabelecimento de trapiches nas praias do Rio de Janeiro. O vice rei voltou as costas a esta utopia, que depois D. João VI realizou, como o seu neto se aproveitou da outra utopia da independencia. Sobre o seu caracter são unanimes as memorias, |